8.4.15

o José também não tinha bons sonos...


(....) Mal conseguia crer que entre as quimeras, as verdadeiras, as mitológicas, aquelas que vomitavam chamas e tinham a cabeça de um leão, a cauda de um drago e o corpo de uma cabra, porque essa também poderia haver sido a figura em que se mostrassem os flácidos monstros da insónia, mal podia crer que a tivesse atormentado, como uma tentação imprópria, para não dizer indecente, a imagem de outro homem que ela não teria necessidade de despir para saber como seria fisicamente, da cabeça aos pés, todo ele, a seu lado dorme igual. Não se censurou porque aquelas ideias em realidade não lhe pertenciam, tinham sido o fruto equívoco de uma imaginação que, sacudida por uma emoção violenta e fora do comum, saltara dos carris, o que conta é que está lúcida e alerta neste momento, senhora dos seus pensamentos e do seu querer, as alucinações da noite, sejam as da carne, sejam as do espírito, sempre se dissiparam no ar com as primeiras claridades da manhã, essas que reordenam o mundo e o recolocam na sua órbita de sempre, reescrevendo de cada vez os livros da lei.

O Homem Duplicado, José Saramago  


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Parte I

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