22.9.15

o que sabemos, na realidade, de nós mesmos?


'De uma maneira  geral, devo confessar que tenho dificuldade em falar de mim mesmo. Passo a vida a tropeçar no eterno paradoxo de quem sou eu? Claro está que, no que toca a factos concretos, não há ninguém no mundo que saiba tanta coisa sobre mim como eu. Contudo, quando falo a nível pessoal sobre todo o género de factores, desde valores a padrões, as minhas próprias limitações levam-me na qualidade de narrador, a escolher e eliminar coisas a meu respeito. Angustia-me pensar que o retrato por mim aqui traçado possa não ser particularmente objectivo. Sempre me angustiou.
Não me parece que a maioria das pessoas partilhe deste tipo de angústias. As pessoas aproveitam todas as oportunidades para falarem de si mesmas com uma sinceridade espantosa. Dizem coisas do género: "Sou de tal maneira franco e honesto que até parece mal", ou então "Sou demasiado vulnerável e tenho problemas de relacionamento com os outros". Contudo houve muitas vezes em que vi pessoas que se diziam "vulneráveis" magoarem outros sem motivo aparente. Vi pessoas com o perfil "franco e honesto" usarem desculpas esfarrapadas para obterem o que desejavam a qualquer preço. Quanto àqueles que têm um jeito especial para compreender os verdadeiros sentimentos dos outros, vi-os deixarem-se enganar pela forma mais grosseira de lisonja. Tudo isto me leva a fazer a seguinte pergunta: o que sabemos, na realidade, de nós mesmos?" '
Sputnik, meu amor, Haruki Murakami

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4 comentários :

  1. Vim aqui "falar" contigo antes de responder ao teu comentário lá no meu sítio. Porque disseste coisas muito lindas e eu queria muito que a minha gratidão escrita fosse do tamanho do que escreveste. Obrigada. Muito.

    E creio que só sabemos de que matéria somos feitos em situações-limite. Aquilo que a literatura ensina. Que é preciso conhecer a perda a sério. A mágoa a sério. A vulnerabilidade a sério. Sem lastro de traços discursivos. Sem luzes sociais e isso tudo que evita/adia indefinidamente o confronto com o que somos.

    Nunca li este livro, sabes? Hei-de ler. Obrigada por me lembrares que tenho (mais) este livro para ler. E pelas tuas imagens que fazem com que o imperceptível seja tanto.

    Um abraço grande.

    Mar

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    1. Concordo. Por isso não será necessariamente mau se nunca chegarmos a saber tudo sobre nós.
      Não precisavas de verbalizar um obrigada, a partilha gera partilha e essa é melhor forma da gratidão. :)
      um abraço e um beijinho.

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  2. Grande pergunta... acho que nem nós nos conhecemos totalmente, pelo menos, não do que somos verdadeiramente capazes...

    Gostei das fotos de pequenos detalhes ;)

    Beijinho

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    1. Sim, e é como diz a Mar ali em cima: "só sabemos de que matéria somos feitos em situações-limite".
      Eu acrescentaria que essas situações-limite podem ser tanto a perda a sério como o ganho.

      Um beijinho, Cláudia.

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