14.1.16

Tenho ido a Cabul


Estas últimas noites fui a Cabul.
Gosto da facilidade e propriedade com que o digo.
A primeira vez que fui a Cabul estava nos Açores. Lembro-me especialmente de Cabul naquela travessia entre o Faial e o Pico.
Não posso dizer que estas viagens estejam a ser serenas. Chego sempre abalada. Pensativa. Não é só o choque cultural, é o frente a frente com a crueza que nos faz humanos. Uma crueza que ultrapassa culturas e fronteiras como se à nascença nos tivesse sido gravada na pele com ferros invisíveis.
Em dezembro estive na América, mais precisamente em Newark. Na América dos anos 60. Na América de Philip Roth. Desconcertante a América de Philip Roth.
Vou voltar lá, sei disso.
Em 2014, novembro, aterrei na Islândia. Senti os ventos do norte no rosto e vi - com os meus olhos de um castanho banal - uma cortina de seda bordada com verdes e azuis impossíveis. Dançava uma valsa silenciosa num céu profundo enquanto me esfregava na cara que ainda vi tão pouco. Se algum dia tiver uma filha, chamar-se-á Aurora.
Não esperava voltar lá tão cedo, mas em Janeiro de 2015 estava de regresso. Foi uma viagem bem mais em conta e levei como bagagem o conforto do meu sofá. A Islândia da Halla e de Sigridur. Sigridur, a criança bonsai. A Islândia de Valter Hugo Mãe a escavar fundo no meu coração e a chegar ao topo da minha prateleira. Ainda bem que li A Desumanização em Janeiro, assim fica mesmo e intocavelmente no topo.
A partir daqui não consigo precisar cronologicamente. Houve Istambul e Lahore.
Houve uma Paris submissa uns anos à frente. A Paris de Michel Houllebecq. Explorei o delta do Nilo com o Gordiano de Steven Saylor, uns anos atrás.
Fiz o Expresso do Oriente com o pequeno belga de bigodes sem mácula, Hercule Poirot. Ainda não percebo como me estava a faltar este.
Caminhei pela Lisboa de Saramago com um toque de Pessoa e perdi-me nos recantos ainda mais perdidos da América do Sul. Gabriel García Marquez nunca dá as coordenadas exatas, mas desconfio que seja Colômbia. Conheci Fermina Daza, Florentino Ariza e Juvenal Urbino. Dissequei a hierarquia da família Buendía e ri com a mítica frase de um Alcaide sem nome: "Não me fodam com os papelinhos".
Corri o Japão de Comboio. Uma peregrinação com cor na companhia de Haruki Murakami. Cor soa a amor. Sputnik, meu amor.
Reencontrei Juliet Marillier. Procurarei sempre o poder encantatório das florestas da Irlanda Celta.
Mágicas. Misteriosas.
Por fim, em qualquer lugar, Gonçalo M. Tavares.

2015, agora que penso mais profundamente, foi um bom ano de viagens.

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A propósito.
De todas as listas infinitamente possíveis, sei que esta vale a pena.



10 comentários :

  1. Sputnik, definitivamente a cor, talvez um pouco mais do que isso...a atmosfera...como a atmosfera do livro devagarinho se vai instalando no quarto...tenho saudades do meu sputnik...da próxima vez tem que vir comigo.

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  2. E é isso mesmo que os livros nos fazem... Viajar para tantos lugares. Eu adoro :)

    Beijinhos Mafalda ;)

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    1. Não interessa como viajamos. O importante é ir.
      Beijinhos Cláudia.:)

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  3. Gosto de ler. E gosto de ler sobre livros. E gostei muito deste texto! Reconheci-me em algumas destas viagens por tê-las partilhado também. E volto a repetir: gostei muito deste texto!

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    1. Obrigada por essa repetição.
      Um beijinho, Custódia.

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  4. Que texto lindo (assim como os outros <3)!!!
    Você tem goodreads ou algum lugar online que guardes os livros que lestes? :D

    bjinhos do Brasil.

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    1. Vem de longe este comentário e deixou-me muito feliz. Obrigada Nathalia! :)
      Tenho goodreads embora só mais recentemente lhe tenha dado mais atenção, uso sobretudo para pesquisar novos livros. De qualquer maneira deixo aqui o link: https://www.goodreads.com/joseapenas
      Agora fiquei entusiasmada para atualizar mais essa plataforma!

      beijinho beijinho

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