22.11.20

"le ciel est bleu"


'No nosso entender, o que a professora estava a dizer jamais poderia ser verdade. Porque, se o que ela estava a dizer era verdade, então o céu (estivesse ou não estivesse lá fora, não interessava) podia ser de qualquer cor, portanto, tudo podia ser de qualquer cor, portanto tudo podia ser tudo e tudo podia acontecer em qualquer altura e em qualquer lugar no mundo inteiro e a qualquer pessoa (e provavelmente até acontecera, nós é que não déramos por isso). Por isso, não. Depois de gerações sucessivas, de pais e dos pais desses pais e das mães e das mães dessas mães, de séculos e de milénios em que fora oficialmente de uma cor e não oficialmente de três, o céu não ia passar, de um momento para o outro, a ser de muitas cores.
- Vamos - insistiu ela. - Agora estão de costas para a janela porquê? - Tínhamo-nos virado de costas para a janela, por instinto, para nos protegermos. Mas ela obrigou-nos a voltarmo-nos de novo para a janela para tornarmos a ver o céu. E, desta vez, pôs-se a indicar, por toda a vidraça, partes do céu que eram não azuis, mas lilases, púrpura, e até, rosadas (havia vários tons de rosa). Havia mesmo uma área de um verde que depois se tornava amarelo-dourado. Verde?! Mas que raio estava o verde ali a fazer?! A dada altura, como daquela janela não se via grande parte do pôr do Sol, ela levou-nos da nossa sala de aula e pelo corredor fora até à sala de aula de littérateurs, que estava vazia porque eles tinham ido ao teatro, munidos de blocos de notas e canetas e lanternas, para verem O Campeão o Mundo Ocidental de pois escreverem a crítica. E então a professora fez-nos olhar para o céu daquela nova perspetiva. Numa zona da vidraça, via-se o Sol (enorme e de um gigantesco vermelho-alaranjado, num céu também ele sem réstia de azul) a desaparecer por trás dos edifícios. 
Quanto ao céu propriamente dito, era agora uma mistura de rosa e amarelo-limão, com laivos cor de malva em fundo. Durante o nosso breve trajeto pelo corredor, as cores tinham mudado e ainda estavam a mudar agora, diante dos nossos olhos. Um amarelo-dourado que viera sobrepor-se à cor de malva ia avançando para se unir a uma faixa prateada, enquanto um outro tom de cor de malva avançava lateralmente de um canto. Depois, mais rosa. Depois, mais lilás. Depois, um azul-turquesa que obrigou as nuvens (que não eram brancas a saírem-lhe do caminho).' 

Milkman, Anna Burns  

  



 

11.11.20

1.11.20

Todos os tons de outono

Momentos pandémicos à parte,
o outono não desilude.