8.9.13

o fim dos livros que não acabam


'... - Isto nunca mais vai sair -  disse ela, debruçando-se sobre a bancada e esfregando com o lado abrasivo da esponja. A mão ficou esfolada e os nós dos dedos vermelhos.
Estava a esforçar-se tanto para remover os vestígios que não ouviu Cam surgir por trás dela. Cobriu a mão dela com a sua, achatando a esponja. O detergente emergiu entre os dedos deles como um fixante.
- Allie - disse ele tranquilamente -, tem calma. Dá-me o teu casaco.
Mas ela não conseguia ter calma. Sabia que estava a ser disparatada e sentiu-se como se estivesse a assistir àquela cena lá de cima, de uma das traves expostas no tecto. Também sabia que a questão mais importante não era a mancha de sumo de toranja. Mas mesmo assim, passavam-lhe centenas de perguntas pela cabeça: E se um dia quisesse vender a casa? E se experimentasse lixívia pura? Porque é que ele não percebia que cada vez que ela entrasse na cozinha os olhos seriam atraídos para aquela marca?
- Allie - Cam puxou-a para junto dele, abriu-lhe o fecho do casaco e tirou-lhe o chapéu da cabeça. Desenrolou-lhe o cachecol do pescoço. Depois voltou a cobrir-lhe a mão com a sua. - Estás a ver? - disse ele, sorrindo de uma maneira que lhe fazia lembrar de como quando começaram a namorar sentira uma perda física de não o ter conhecido em criança. - Pronto. Já desapareceu.
Olhou para baixo. Algures, debaixo das mãos abertas deles estava uma mancha. Mas da forma como estavam, Cam tinha razão. Daquele lado não se via.
Sentiu o calor familiar da pele dele. Mas  também tinha consciência de como as pontas dos dedos de Cam eram ásperas comparadas com as suas, de como o tamanho das palmas das mãos era tão diferente.
Cam virou Allie para si.
- Então - disse ele, e era uma pergunta.
Mas para Allie, a palavra parecia um princípio.
- Então - respondeu devagar e libertou-os.'

Fim

Jodi Picoult, Compaixão

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